domingo, 13 de março de 2011

O excesso da falta!


Foco no lugar vazio da mesa. A pessoa que não veio. Pior ainda: a que não existe. É ali que fico, sempre, apaixonada, doendo, esperando. O lugar vazio da mesa, da cama, do planeta. Minha sorte é um bilhete desses de raspar só que o segredo não sai com nada. Meu amor é a cadeira com pé quebrado que tiraram do salão antes que alguém se machucasse. Então me recuso a sentar em outras e vivo entre o cansaço e o medo de cair de mim mesma.

Eu funciono assim, não sei se você já percebeu. Consigo não te amar, e isso significa passar ótimos dias em paz, quando te trato bem, quando te amo. O que sobra em mim, o que eu guardo no peito, é sempre o negativo do que expeli para o mundo. Por isso o e-mail, carinhoso, um jeito de te expulsar mais uma vez, porque é só isso que sei fazer quando o assunto é sentir além de mim. E quando te trato mal, são dias te amando aqui, nos espaços vazios que você jamais preencheria e que são absolutamente você. O mundo todo que não tem você é ainda mais você. E assim me relaciono. Com o risco de giz branco em torno do corpo que já foi levado do chão. Sempre me apaixono depois que acaba a paixão. Sempre namoro quando acaba o namoro. Só assim sei amar. E então te carrego no peito e em tudo, ao ir sozinha ou mal acompanhada ao cinema. E então janto com você e como bem e até bebo. E passamos sem perceber uma vida inteira. Só porque agora você se foi, é que sinto que você chegou de verdade. E assim namoramos tão bem e sou tão agradável. E é com você que vou até a esquina e o fim do mundo, porque posso tudo agora. Agora que não posso nada.

Daqui vejo milhares de pessoas e boas intenções e motivos pra ser feliz. Mas onde eu estou? Adivinhe? Estou em casa, sozinha, como se não houvesse nada. Como se tudo isso fosse cruel justamente por ser bom. O bom acaba. Mas isso aqui, o refúgio da ansiedade e da alegria, essas duas coisas do demônio, isso aqui é verdadeiro e é daqui que estou, na verdade, no meio de todas essas pessoas boas e os motivos pra ser feliz. É só daqui. Então, quero ir embora. Ir embora pra chegar logo. Porque enquanto estou é insuportável, mas depois, quieta, deitada, o mundo inteiro se encaixa aos poucos até eu pegar no sono e sentir a matéria de estar viva. Não evaporo mais pois estou me apertando até ficar quieta nessa caixinha minúscula que trago tão bem guardada apesar do desespero em ser aberta.

É sempre na falta que vivo. É sempre em cima da altura que não tenho que olho o mundo. E das coisas que eu não sei que falo melhor. E dos sentimentos que eu não poderia sentir que me abasteço pra ser alguma coisa além do que me faz mais uma. E da incapacidade de ser mais uma que me agarro, pra poder participar de algo e esquecer como é maluco tudo isso. É na alegria extremada que sinto o tamanho do sofrimento que posso aturar.

É a loucura que sai antes quando preciso rapidamente ser normal. É porrada que dou quando a mão vai rápida para um carinho urgente. É de onde não se pode estar que tenho saudades. É para o lugar do qual fugi que vou quando corro. É no lugar insuportável que fico quando descanso de algo que não aguentei. É na falta que vivo. O tempo todo sendo a mulher pra você que nem você quer. O tempo todo sendo a mulher que você não vê mais e só por isso, agora, te vejo o tempo todo. É te amando tão infinitamente que me liberto de gostar pelo menos um pouco de você.

Quando preciso de açúcar sinto ânsia só de ver doce. E na hora de ir embora, ganho o viço e a frescura de algo novo. Não lido bem com a fome, pois ela me sacia, me enche, de algo que me faz além do bicho. É do meu auge que caio feio. Na paz de fechar um arquivo que volto a pensar na página em branco e em tudo que não sou capaz. No fundo do gostosinho da alma mora o que dispara meu incômodo mais terrível. Quando tento ser homem, meu Deus, sou mais garota do que aquelas colegiais cheirando a floral com bola de basquete.

Você reclamava que eu não dizia seu nome e isso era só porque eu o estava dizendo o tempo todo. Meu cérebro martelava o som das suas referências e imprimia tanto você que eu precisava falar de mim daquele jeito pra tentar existir além do que eu me tornava. Você era tudo quando reclamava que eu andava estranha ao telefone, sem dar importância. Quando eu não parecia te ouvir, eu estava ouvindo suas milhares de vozes e tentando dar conta de gostar de tanta gente diferente que era gostar de você. Mas agora, assim, dizendo João, eu consigo continuar. Mas não uso a palavra anular porque seria dar rabisco aberto para as asas que não quero desenhar.

O tempo todo o abismo gigantesco quanto mais desço. O tempo todo a calma mais incrível nos momentos de real desespero. E o pânico do que é simples de resolver. E se não tem ninguém pra chegar é aí que verdadeiramente espero. E se não tem ninguém pra me tocar, sinto tesão em encostar no ar. Você não está e me olha como nunca. Você merecia ser amado assim, do jeito que acaba pra começar. Uma covardia só pra quem aguenta firme. Sempre no oco me preencho tanto que explodo. É no nada que está tudo aqui. E quando me perguntam de onde vem essa pressa, esse desespero, essa corrida, o sopro no coração, essa ânsia, a força, essa agressividade. De onde vem? Eu digo que vem de uma preguiça enorme. E tantas artimanhas e rezas bravas para permanecer? É só o mais completo desejo em acabar logo com tudo isso. Que tanto eu quero porque estou sempre pedindo socorro? Nada. E principalmente: nunca. E morrer de novo como faço todas as vezes que me sinto viva demais. E vai começar tudo de novo só porque acabou. Ponto final é tanta continuação que vira três pontos finais. Eu não aguento mais e nem toquei na vida ainda. Consigo ser vista de verdade só quando as pernas e todo o resto que me move imploram para eu desaparecer.
- Tati Bernardi                          

quinta-feira, 10 de março de 2011

Depois que você me mandou limpar os óculos!


A mesa rodava, as luzes insistiam, os barulhos iam cessando como um prêmio e as pessoas tentavam me aquecer. Eu sabia que estava sendo amada, talvez como nunca em toda a minha vida. Mas só tinha olhos para os pêlos do seu braço. Eu olhava como quem não olha e me dizia baixinho: olha eles lá, olha lá os pêlos que eu tanto amo sem mais e sem fim.

Matei finalmente a saudade do seu dedão. Seu dedão meio largo, meio torto, com a unha que preenche todo o dedão. Eu amo o seu dedão, amo sua unha meio roxa, amo a semicircunferência branca que sai da sua cutícula e vai até o meio da sua unha, amo a sua mão delicada que sai de um braço firme. Amo que os pêlos da sua mão pareçam meio penteados de lado.

É isso, sei lá, mas acho que amo você. Amo de todas as maneiras possíveis. Sem pressa, como se só saber que você existe já me bastasse. Sem peito, como se só existisse você no mundo e eu pudesse morrer sem o seu ar. Sem idade, porque a mesma vontade que eu tenho de te comer no banheiro eu tenho de passear de mãos dadas com você empurrando nossos bisnetos.

E por fim te amo até sem amor, como se isso tudo fosse tão grande, tão grande, tão absurdo, que quase não é. Eu te amo de um jeito tão impossível que é como se eu nem te amasse. E aí eu desencano desse amor, de tanto que eu encano.

Ninguém acredita na gente: nenhum cartomante, nenhum pai-de-santo, nenhuma terapeuta, nenhum parente, nenhum amigo, nenhum e-mail, nenhuma mensagem de texto, nenhum rastro, nenhuma reza, nenhuma fofoca e, principalmente (ou infelizmente): nem você.

Mas eu te amo também do jeito mais óbvio de todos: eu te amo burra. Estúpida. Cega. E eu acredito na gente. Eu acredito que ainda vou voltar a pisar naqueles cocôs da sua rua, naquelas pocinhas da sua rua, naquelas florzinhas amarelas da sua rua, naquele cheiro de família bacana e limpinha da sua rua. Como eu queria dobrar aquela esquininha com você, de mãos dadas com os pêlos penteados de lado da sua mão.

Outro dia me peguei pensando que entre dobrar aquela esquininha da sua rua e ganhar na mega-sena acumulada, eu preferia a esquininha. A esquininha que você dobrou quando saiu da casa dos seus pais, a esquininha que você dobrou chorando, porque é mesmo o cúmulo alguém não te amar. A esquininha que você dobrou a vida inteira, indo para a faculdade, para a casa dos seus amigos, para a praia. Eu amo a sua esquininha, eu amo a sua vida e eu amo tudo o que é seu.
Amo você, mesmo sem você me amar. Amo seus rompantes em me devorar com os olhos e amo o nada que sempre vem depois disso. Amo seu nada, apenas porque o seu nada também é seu.

Amo tanto, tanto, tanto, que te deixo em paz. Deixo você se virando sozinho, se dobrando sozinho. Virando e dobrando a sua esquininha. Afinal, por ela você também passou quando não me quis mais, quando não quis mais a minha mão pequena querendo ser embalsamada eternamente ao seu lado.

- Tati Bernardi                         

quarta-feira, 2 de março de 2011

Eu só queria um namorinho de portão!

Não, você não precisa ter o abdômen do mocinho da novela, afinal eu adoro meus peitos naturais que se mexem de leve quando eu corro e desaparecem um pouco quando eu emagreço demais. Acho até que posso ficar com sua barriga pra sempre, mas já faz tempo que não acompanho nem uma semana seguida de qualquer novela.
Eu não quero que você me busque num super potente carro, eu só quero que quando você me beije, eu não deseje mais nenhuma força do universo. Estou pouco me lixando se o restaurante tem várias cifras no guia da Folha, mas gostaria muito que a gente esquecesse das mesas ao lado e risse a noite toda, eu até brindaria com água sem bolhinhas. Sério que tem uma pousada mega-master com ofurô em cima da montanha e charretes cor-de-rosa que trazem o café da manhã? Dane-se, se você conseguir passar, nem que seja algumas horas, encantado pela gente, essa será a maior riqueza que eu posso ganhar. Sim, a tecnologia é mesmo fantástica, só que hoje eu queria sumir com você para um lugar onde não pegue o celular, não pegue a internet, não pegue a televisão, mas que a gente, em compensação, se pegue muito. Sim, sim, música eletrônica é demais, celebrar a vida com os amigos é genial, pular bem alto é sensacional. Mas será que a gente não pode colocar um Cartola bem baixinho na vitrola e dançar sozinhos no escuro, só hoje? Será que a gente não pode parar de adjetivar o mundo e se sentir um pouco?
Eu procuro você desde o dia em que nasci. Não, eu não dependo de você nem para andar e nem para ser feliz, mas como seria bom andar e ser feliz ao seu lado. Só que estamos com um problema: vai ser um pouco difícil a gente se conhecer porque tenho evitado sair de casa.
Eu não odeio mais as garotas em série e seus namorados em série, eu não odeio mais a sensação de que o mundo está perdido e as pessoas lutam todos os dias para se parecerem ainda mais com o perdido ao lado, se perdendo ainda mais. Eu não odeio mais quem cuida do corpo mas esquece da alma, quem cuida do cabelo mas esquece da mente, quem cuida da superfície mas faz eco por dentro, quem coloca um peito de silicone mas esquece de dar mais uma chance ao amor. Eu não odeio mais a galera feliz em pertencer a um mesmo barco que não vai a lugar nenhum. Eu só acho isso tudo muito triste e prefiro não ver.
Eu prefiro não fazer parte da feira que compete pra ver quem tem a casca mais bonita. Voando eu sei que você não vem, até porque eu jamais namoraria um super-homem: tenho horror a pessoas falsamente infalíveis.
Não quero um homem que sempre vence, que sempre impressiona, que sempre salva e sorri impecável em dentes brancos e músculos ressaltados por um colan com as cores da bandeira americana. Você pode ter medo de monstrinhos imaginários e dormir com a porta trancada, pode ficar meio tristinho quando, numa festa cheia de amigos, lembrar que é sozinho no mundo, pode perguntar assustado no meio da noite “aonde você vai” mesmo sabendo que é só um xixi, pode até fazer piada com o seu medo de estar vivo, e pode, inclusive, ficar sério e quieto, de repente, por causa disso também. Não existe Orkut, não existe Messenger, não existe celular, não existe um supercelular que é máquina fotográfica, Orkut e Messenger ao mesmo tempo. Não existe o décimo quarto andar do meu prédio com 8 seguranças lá embaixo. Não existe a balada perfeita com 456 garotas iguais e programadas para te dar um amor levemente inexistente. Não existe esperar que a vida fique mais compacta, mais veloz, mais completa e mais fácil, assim como o computador. Existe essa coisa simples, antiga e quase esquecida pela possibilidade infinita de se distrair com as mentiras modernas do mundo. Existe o amor, mas onde ele foi parar depois de tudo isso?
Eu não tenho um portão para te esperar, como minha avó um dia esperou pelo meu avô e eles ficaram juntos por 70 anos. Talvez eu também seja engolida por esse mundo que cria tantas facilidades para a gente não sofrer. Tenho medo de que tudo seja uma mentira e de verdade sinto que é, mas ainda acordo feliz todos os dias esperando que ao menos você seja verdade.
- Tati Bernardi